quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

60. I de inventário



Declaração de amor

Gosto do cheiro da relva acabada de cortar e de dons Rodrigos.
Gosto de cerveja fresca tomada numa esplanada à beira-mar e de t-shirts pretas.
Gosto de sericaia adornada com ameixas de Elvas e do cheiro da terra depois da chuva.
Gosto da brisa do fim das tardes de Verão e de andar descalço numa batemilha.
Gosto de fotografar flores molhadas e viajar em primeira classe.
Gosto do anticiclone dos Açores e de navegar na internet.
Gosto de fazer amor à luz do dia e de banda desenhada.
Gosto de dançar foxtrot e de pássaros fora das gaiolas.
Gosto de rimar a palavra inconsistente com a dor de dente.
Gosto de ler Saramago, de ver Woody Allen e de ouvir Pat Metheny.
Gosto do cheiro que emana das lojas que moem café.
Gosto de TV HD, de cinema 3D, e do velho LP.
Gosto de mulheres nuas, de guarda-chuvas às riscas e de amendoeiras em flor.
Gosto de laranjas, de amoras, de ameixas e de sapatos de atacadores.
Gosto do Benfica, de fecho-éclair, de camisas aos quadrados e de alho francês.
Gosto de meias pretas, de mexilhão à marinheira e de vinho tinto.
Gosto de matemática e de azulejos do século XVII.
Gosto do som da balalaica, gosto de bicicletas e de canivetes suíços.
Gosto de pintar a acrílico e de filetes de pescada com abacaxi.
Gosto de pimentos, de orelha de porco, de canja de galinha e de polvo à lagareiro.
Gosto de esferográficas azuis, de rosas amarelas e de vinho verde branco.
Gosto de livres diretos, de gin tónico e de espetadas de lulas.
Gosto de havaianas, de jeans, de gravatas Dior, de lenços Hermès e de sopa de agrião.
Gosto de expressões latinas e dar os bons dias no elevador.
Gosto de futebol, de rendas de bilros, de cabelos curtos e de óculos graduados.
Gosto de gatos, gosto de queijo de ovelha e gosto de dormir no sofá.
Gosto de rock and roll, de badmington, de lápis de cor e de cortinas translúcidas.
Mas do que eu mais gosto é de ti! Gosto muito, muito de ti!

2010.05.06

sábado, 21 de novembro de 2015

59. H de Hoje



Hoje

Hoje foi dia de nevoeiros
a manhã estava fria e não havia Sol,
choviam gotículas que se não viam mas que me atravessavam o corpo
e entranhavam-se-me  na pele seca do prolongado verão

Hoje tu não vinhas e eu esperava-te
no banco frio de um jardim virada a norte...
só nevoeiro e a  pele seca fustigada pela manhã húmida.
Tu não vinhas

Hoje olhei e nada vi,
nada se vê onde nada há para ver

Hoje já não há mais verão para nos secar a pele
apenas as horas passam sob a gélida manhã...

o meu inverno está próximo



sexta-feira, 1 de maio de 2015

58. G de Gabardine




Gabardine de sombras

Chovem-te incógnitas na equação da vida
e os teus limites são irresolúveis indeterminações.
Nos nevoeiros disfuncionais do teu futuro
nenhuma assíntota tem o poder de te guiar.
Oscilas em névoas sinusoidais
e uma humidade periódica
desliza nas linhas da tua mão.
Como se imaginário fosse o teu futuro
ele é repleto de complexas tonalidades.
Matematicamente caminhas
combinando as probabilidades do inêxito.
Sobram-te multiplicativas regras
para que te não percas nas sucessões de lama.
Tendes para um imensurável infinito
e não divides por zero as tuas esperanças...
E nem as vindouras sombras se desenham geométricas
nem te proteges como se gabardina fosses
contra o dilúvio de absolutas incertezas.

©Vítor Fernandes
09/03/2015


terça-feira, 21 de abril de 2015

57. F de Fim de festa



Fim de festa

Já dormem as horas
de um dia que foi esperança
e já se apagam as luzes
nos balões da festa;
até as flores na jarra murcham.

Dormem corpos no relento da indiferença
e colocam de novo a cartola
os velhos charutos que se reacendem...
chupam-se as espinhas da cabeça
de um velho peixe salgado.

Gemem milhões
sem tostões em hospitais abarrotados,
morrem velhos nos corredores da desesperança
espirram milhões
de burlas constipados, cartolas,
em cobertas quentes (encobertos e quentes) de poder.

Falam de abril como se exista abril
em pluri-mentiras atiradas a tolos
como se papas fossem
e morrem sem papas outros tolos
que acreditam que existe abril.

Já não há armas como antigamente
nem há antigamente
mas ainda há liberdade para não se querer
o antigamente que é este presente.

Murcham na jarra as flores
e apagam-se as luzes da festa nos balões
e a liberdade teima em morrer no indiferente relento
nos corredores dos hospitais,
em frente à espinha salgada da cabeça do peixe.

Onde estão as armas de antigamente
se não na escrita do poeta?

E o homem da cartola
de charuto reaceso ri agora
no rosto da liberdade do poeta
e nega-lhe de novo abril.

Até um novo abril!

© Vítor Fernandes
21/04/2015

sábado, 11 de abril de 2015

56. E de Entardecer



Entardecer

Olho para a cor dos teus olhos
e espraio-me na beleza do entardecer,
és o postal ilustrado
que rouba ao mar o mel do fim do dia
e te inunda a tez de douradas horas.
O teu sorriso é leve e envolvente
como suaves ondas de brisa
 e só tu ofuscas com a tua majestade
a eterna beleza de um pôr-do-sol.

©Vítor Fernandes
10/02/2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

55. D de Derreter (Ode ao Gin tónico)



Derreter
(Ode ao Gin tónico)

primeiro esfrego-te o interior
de naturais aromas
frescos
citrinos
e arrefeço-te o bojo
para que o embate
se mitigue.
Na conta e medida
te verto cristalino líquido
e te inundo de borbulhantes e amargas águas.
Uma folha de menta
será para ti a colónia de todos os dias.
E deixo-te a derreter em magotes
o gelo que te completa
quando me aperitivas as manhãs.

©Vítor Fernandes

segunda-feira, 9 de março de 2015

54. C de Credo




Credo

Creio na Liberdade e no voo das aves,
na vontade inexpugnável de gritar ao vento
e no amor.
Creio na determinação e na força de vencer,
na poesia livre de barreiras
e no amor.
Creio nos astros e na musa que me rescende a veia,
na etérea estrela de Hesíodo
e no amor.
Creio no honesto sentido da palavra dada
no abraço sincero de um amigo
e no amor
Creio no amor sem fronteiras
(porém não na construção da paz universal)
 e creio em Deus que me alumia e vida,
no caminho que é seu filho, Jesus
porque Jesus é amor.
E creio em mim
porque quem se não crê não é capaz de amar.

©Vítor Fernandes

6/2/2015

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

53. B de Beliscar



Beliscar

Preciso que me belisques
vejo-te na ombreira da porta do meu quarto
sinto-te emaranhada nas minhas pernas quando nos deitamos
dou-te à mesa, os parabéns pelo delicioso pato confitado
comentamos o filme americano que alugamos esta noite no videoclube
escolhes-me a gravata para a vernissage dos Medeiros
ajudas-me a corrigir os testes de matemática
e esfregas-me as costas no duche.
Mas abro os olhos e não te vejo.
Diz-me que não passo a vida a sonhar contigo.
Belisca-me!

©Vítor Fernandes 2015

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

52. A de Andorinha




Miro pela frincha da janela
o bamboleio altivo das tuas ancas
em esguio e nédio vestido negro
e o colar de ebúrneas pérolas
que te ornamenta o colo.
Avanças com a elegância de uma andorinha.

©Vítor Fernandes

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

51. Z de Zombies




Zombies
(Cieiro)

está vazio o espaço preenchido nos meus lençóis
tu já não és tu e eu também já não sou eu
vivemos como fantasmas.
invado-te o corpo e não me sentes
invado-te a alma e não me sentes
invado-te a ausência e não me sentes
sou um fantasma na tua própria inexistência.
apenas quando intento em beijar-te
reages às ondas do meu pensamento
e repeles-me.
como se fosse cieiro em teus lábios.

©Vítor Fernandes

6/1/2014